Despedida do Verão
O sol não me engana. Já não é sinonimo de calor. Guardo as sandálias no armário. Adeus Havaianas, vestidinho tomara-que-caia, biquíni lindo que veio lá do Brasil. Sinto o cheiro das castanhas assadas na rua e me lembro que a partir de agora não tenho pés, tenho meias coloridas. Uma das diferenças de morar num país com Inverno é a atenção e o esforço dispensada às meias. Roxas, listradas, de bolinhas, com 20% de lã, com 100% de lã, que retém muito calor e muita umidade, que retém pouco calor, mas seca rápido. Uma variedade sem fim.
E por falar em secar rápido, as toalhas no Inverno não sabem o que é isto. Imagina se, de um banho para outro, elas estarão agradavelmente prontas para serem usadas de novo. Só se você não tomar banho todo dia. O que, pensando bem, pode explicar muita coisa. Mas eu, que culturalmente adquiri esta mania do banho diário, posso começar a preparar meu estado de espírito para a toalha úmida e gelada. Posso preparar meu nariz para o vento frio que corta a Rua do Sol ao Rato, um corredor de prédios antigos onde o sol demora a acordar. Posso preparar meu humor para chegar em casa e não ter vontade de tirar o casaco, porque nem lá dentro o Inverno passa. Posso tratar de desencavar forças para brigar com a preguiça que parece ter mais músculos que o Schawznegger nos anos 80.
Mas estou sendo injusta com o frio. É bom quando a salamandra está acesa e a sala fica com aquela luz de cabana romântica. É divertido tentar convencer meu cão a não ficar tão perto dela. Coitado, no Inverno nem tem vontade de ir à varanda ver a vida e veste uma roupinha de gola alta com gosto, de tanto frio que passa. É gostoso entrar debaixo do edredon e esquentar minhas mãos geladas nas costas do meu marido. (Não sei bem porque, mas ele não gosta.)
As pessoas são mais elegantes com sobretudos, gorros e cachecóis. Os amigos aparecem mais na sua casa. O Ikea vende mantas lindas, coloridas e baratinhas, que custam menos ainda se você pensar que nos próximos meses serão suas melhores amigas. Os vinhos, os queijos, os chocolates, praticamente tudo que pode ser classificado como comida intensifica o seu gosto. No Inverno passado até aprendi a gostar de chá, que para mim sempre esteve mais para água quente com um sabor distante de nada.
Deve ser impossível termos neve de novo. Ano passado aconteceu, mas depois de uma ausência de 50 anos, o que não deixa muitas esperanças para 2007. Adoraria ver Paris vestida de branco. Acho que sinto pela neve a atracão que os gringos sentem pela nossa areia fina e clara. É como se fossemos transferidos para outra dimensão. Uma que só vimos em fotos e filmes. Mas a neve não é a única benção que a natureza guarda para o inverno. Tem a rua que fica dourada com as folhas que caem. Tem o céu azul mais azul do que nunca.
Pensando bem, estou ficando otimista demais. Devo estar olhando para o inverno com aquele olhar de quem já está longe faz tempo. A verdade é que em dias demais, São Pedro acorda irritado com a gente e manda a chuva para complicar tudo. As calçadas de pedra portuguesa (que só são chamadas de pedra portuguesa no Brasil) escorregam mais que sabão e temos pouca ou nenhuma vontade de colocar os pés na rua.
Tchau, Verão. Olá, Outono. E que venha o Inverno.
Portugal pode não estar preparado para você, mas eu estou.
3 Comments:
Adoro ler seu blog!
bj, fabi.
Boneca,
Como a Fabi, eu também ADORO ler o seu blog!!! Bj, Eu.
descobri ese blogo procurando por matérias sobre "como assentar pedras portuguesas"mas não resisti a ler a página toda.
o q vc escreve tem corpo e alma.
veja se continua!
Gil.
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