Um cachorro feliz
Ela sobe a rua e balança as chaves para eu saber que ela já está lá. Corro até a varanda para ver ela chegar. Fico tão feliz que não sei se pulo ou se choro, então faço os dois ao mesmo tempo. Ela abre a porta e quase cai com o meu peso em cima dela. Me faz carinho até eu me acalmar. Entra em casa e eu vou derrapando atrás dela. Agora já não desgrudo. Me deito aos seus pés por um tempo. Depois arrisco ir pegar uma bola para ver se ela quer brincar. Quando ela quer, meu dia está feito. Finge que joga a bola. (Ela sempre finge que joga primeiro, só pra me provocar.) Depois joga e eu vou lá buscar. Trago de volta esbaforido, mas não deixo ela pegar. Ficamos assim por algum tempo e começamos tudo de novo. Ela me olha como quem não entende como é que tanta felicidade pode vir de uma bola. Eu olho para ela como quem não entende porque ela parou de brincar. Deito com o rosto entre as patas e suspiro. Ela me convida para passear. Aceito, é claro. Desço as escadas correndo e volto, insistindo para ela se apressar. Ando sentindo todos os cheiros que há para sentir. Vou na frente, mas sempre paro para ver se ela ainda está lá. E ela sempre está. Sorrio e volto a andar. Quando dou por mim, estamos em casa outra vez. Lá se foi a melhor parte do meu dia, mas tudo bem. Amanhã tem mais. Subo doido para entrar em casa, mas ela insiste em me limpar. Finjo que não é comigo mas não adianta. Lá vem ela esfregar aquele lencinho com cheiro de bebê nas minhas patas e em outros lugares humilhantes demais para eu falar. Dever cumprido. Bora lá beber água. Enfio o focinho na tigela de água fresca e jogo água pelo chão só para pisar em cima e deixar marcas da minha pata no chão da cozinha. Ela me pergunta “Tá com fome?” e já sei que chegou a outra melhor hora do meu dia. Respondo lambendo minha própria cara e ela enche a tigela de comida. Às vezes como tudo, às vezes guardo um pouco pra mais tarde. Depois vou limpar o focinho no tapete ou no sofá. Ela já está lá, esparramada, assistindo TV. Aproveito para me aconchegar. Ela coça atrás das minhas orelhas. Me derreto todo e viro de barriga para cima, como quem diz “Vai... Coça a minha barriga também.” Ela segura o meu focinho para conseguir me dar um beijo sem levar uma lambidela na cara, olha nos meus olhos e diz: “Como é que eu posso amar tanto um cão?” Eu olho para ela e penso: “Como é que eu posso amar tanto um ser humano?” Depois fecho os olhos e aproveito para tirar um cochilo, que dá um bocado de trabalho ser um cachorro feliz.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home