Balanço de um ano, um mês e onze dias
31 de Julho de 2005. Chego em Lisboa com meu marido, quatro malas e a dúvida se estou fazendo a coisa certa.
As quatro malas se abriram e foram se transformando na minha vida.
Nesse meio tempo, descobri que a coisa certa não existe. O lado bom é que coisa errada também não.
Comi menos Pastéis de Belém do que esperava comer.
Percebi que já deveria ter separado a minha vida pessoal da minha vida profissional há mais tempo.
Entendi que a minha casa só é a minha casa com o barulhinho das patas do meu cão batendo no chão.
Me senti culpada por deixar minha mãe sozinha no Natal.
E no Ano Novo.
Conheci o inverno. Passei meses sem ver direito o meu pé, sempre enfiado numa meia.
Não conheci o João.
Tive a sorte de ver a neve cair em Lisboa depois de mais de 50 anos.
Consigo andar na rua e não sentir medo. Mesmo que seja de noite. Mesmo que esteja sozinha.
Descobri que encanador se chama canalizador, e que é mais difícil fazer um ir até a sua casa consertar o autoclismo da retrete (descarga da privada) do que encontrar um taxista que não fique cheio de graça no momento em que percebe que você é brasileira.
Comecei a colocar um “c” no meio de palavras como acção e contacto mais instintivamente do que eu imaginava. Mas sinto saudades do gerúndio e me recuso a atender o telefone falando “Tô”. Adoro quando alguém pede para fazer festinhas no Lolo, diz que alguma coisa é tão querida ou pergunta para mim se a menina vai querer mais alguma coisa.
Fiz 30 anos. Mas fiz 30 anos em Londres.
Nunca fui tão dona-de-casa e a minha casa continua uma bagunça.
Fui a Mérida.
Fui à Copa do Mundo.
Fui para o meio da montanha branquinha com o meu trenó e caí de cara na neve. Várias vezes.
Passei uma noite numa torre do século X e outras numa casa-barco no canal preferido de Rembrandt.
Andei por lugares tão perfeitos que me sentia dentro do cenário de um filme.
Escolhi a minha cidade favorita, sendo injusta com muitas outras.
Descobri que viajar vicia. Estive em nove países diferentes. Visitei umas quarenta cidades. Ainda assim, não passa um dia em que não pense em quanto do mundo ainda tenho para conhecer.
Criei este blog.
Estou mais calma do que jamais fui.
Alguns dias, me sinto mais sozinha do que jamais me senti.
Descobri que a distância não afasta tanto as pessoas quanto se pode imaginar. Mas tenho medo de que o tempo afaste.
Entendi que preciso aprender a esperar.
Percebi que as pessoas longe de casa são mais generosas com o seu carinho e a sua atenção.
Cheguei à conclusão que viver em outro país é morar na casa dos outros. Eles podem até dizer para você se sentir à vontade. Mas você é sempre visita e, uma hora ou outra, acaba incomodando.
3 Comments:
amei.. profundamente!!!
beijos luciana cristovam
Olá, nossa adorei o que você escreveu, e olha você escreve muito bem, e me identifiquei muito. Estou passando por muitas coisas parecidas e neste ano de 2006 também já estive em muitos lugares, muitas saudades, angústias e alegrias, e também estou escrevendo um diário!!! É gostoso saber que existem pessoas que sentem o mesmo que a gente e que passam por coisas parecidas, essas sabem o que estão vivendo, isso ninguém vai poder tirar da gente... Parabéns!!! Adorei!!
venho muito pouco aqui, mas percebi que tenho que vir muito mais...não só tem textos deliciosos, como alguns como este, que me pegou de jeito e qdo percebo já estou chorando...pq ele transmite exatamente o que eu sinto. parabéns amiga! e já agora, pq não passar de redatora para escritora? bj grande cã
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