Hoje eu acordei com vontade de escrever

Tuesday, February 13, 2007

Mais perdidos do que achados

Perdi a minha montanha. A última vez que a vi ela estava lá, verde e gorda, no lugar de sempre. Agora não a encontro. Já procurei nos meus bolsos e nas minhas bolsas. Revirei minhas gavetas. Será que esqueci na casa de alguém? Não. Já teriam me ligado. Todos sabem o quanto eu adoro aquela montanha.

Começo tudo de novo. Todos os bolsos, todas as gavetas, no quarto da bagunça. Nada. São Longuinho, São Longuinho, se eu encontrar a minha montanha eu dou três pulinhos e três gritinhos. Posso ter deixado no carro. Corro para a rua. Olho em baixo dos bancos, no porta-luvas, no porta-malas, em baixo dos bancos de novo.

- Amor, você viu onde eu deixei a minha montanha?

- Que montanha?

- Aquela verde e gorda.

- Não, não vi. Já olhou no carro?

- Já.

- No armário?

- Já.

- Então eu não sei.

Na mochila. Ainda não procurei na mochila. Tiro tudo lá de dentro e atiro em cima da cama. Minhas mãos investigam cada milímetro, nervosas. Aquela sensação de incompetência por perder tudo. A lembrança da minha mãe, dizendo:
- Só não perde a cabeça porque está pendurada no pescoço.

Viro a mochila do avesso, sacudo e só cai um pouco de areia, daquele dia que fomos à praia. Nem sinal da minha montanha. Repenso todo o meu caminho. Será que perdi quando peguei o dinheiro do pão?

- Alô. É da padaria?

- É sim.

- Por um acaso vocês encontraram um montanha? É que eu perdi e acho que pode ter sido aí.

- Hoje?

- É

- Peraí. (Voz abafada pela mão no telefone.) João, esqueceram aqui alguma montanha? (Pausa curta) Olha, só encontraram um guarda-chuva.

- Obrigada.

Minhas mãos percorrem mais uma vez meus bolsos, mas estão resignadas. Já sabem que vão sentir saudades daquela montanha verde e gorda.

Monday, February 05, 2007

Sem título

Hoje estou me incomodando.

Fico no meu caminho, me atrapalho, largo o pé para me fazer tropeçar. Escolhi esta roupa de propósito só para zombar de mim cada vez que me vejo no espelho. Passei o dia me cutucando, o dedo indicador rijo me espetando. E ainda são só três horas.

Quero desesperadamente ir para bem longe de mim. Justo hoje que não tenho condições de lembrar o quanto sou fraca e burra, passo o dia sussurrando para a minha consciência como sou fraca e burra. E não é só falar por falar. Dou exemplos, comprovo a teoria. Como é fácil fazer gato e sapato de mim.

Pelo menos nisto sou competente. Executo perfeitamente esta tarefa de me atravancar. Meu estômago compactua e se embrulha. O gosto na minha boca hoje acordou amargo. E não melhorou nada nem com o tempo, nem com a pasta de dentes.

Não, não estou me aguentando.

Estou presente demais em mim. Sim, é possível que dois corpos ocupem o mesmo espaço. Mas garanto – e garanto com terrível certeza – que a convivência dos dois não é em nada agradável. Se empurram e se espremem. Nenhum vence. Os dois perdem. Eu fico exausta.

Talvez seja isto o mau humor: não se suportar e descontar nos outros. É egoísta? Pode ser. Mas não menos do que o bom humor que, por oposição, não é mais do que despejar em quem está por perto uma dose de adoração por nós mesmos.

Está explicado porque o bom humor pode ser tão irritante. E comprovado que os antônimos têm muito em comum.