Hoje eu acordei com vontade de escrever

Friday, March 09, 2007

Desesperança

Há 20 anos atrás o Rio era um lugar perigoso. Uma vez, quando estava no 175, um homem tirou um facão escondido dentro de um jornal dobrado e tentou assaltar as pessoas. O motorista pisou no freio, o homem caiu e colocaram ele para fora. Foi um susto.

Há 15 anos atrás o Rio era perigoso. Um dia, dessa vez no 523, um pivete arrancou o meu cordão de ouro. Eu chorei e ele me devolveu. Depois desceu do ônibus resmungando. Foi um susto.

Há 10 anos atrás o Rio era perigoso. Um dia, no carro, com a janela aberta e o sinal fechado, um menino de rua, com a mão escondida debaixo da camisa como se tivesse uma arma, mandou eu passar o rádio. Era um daqueles toca-fitas de bandeja. O motorista do carro ao lado mandou eu fechar a janela, mas o garoto segurava o vidro e o vidro não subia. O motorista do carro ao lado desceu, o garoto correu e eu levei uma bronca: “Eu não falei que era pra fechar o vidro!” Não deu nem tempo de responder que eu tentei porque ele já tinha ido embora. Foi um susto.

De dez anos para cá, as coisas pioraram e muito. O Rio não é mais perigoso. O Rio não é mais violento. Infelizmente, não existe palavra assustadora o suficiente para adjetivar esta cidade, que eu considero minha.

Há cerca de um mês atrás, uma criança foi arrastada por sete quilômetros e esfolada até morrer. A mãe e a irmã assistiram sem poder fazer nada. Ficamos chocados. Desconsolados. Apareceu até na novela. Mas e daí?

Sabe quantas pessoas morreram vítimas da violência no estado do Rio de Janeiro desde a tragédia do João Hélio?

245 pessoas.

245 pessoas já morreram desde a última vez em que ficamos indignados, incluindo uma menina de 2 anos, baleada na cabeça um dia desses.

Parece que foi ontem que aquele menino morreu. E foi. Ainda assim a violência é tamanha que mais de duzentas pessoas foram assassinadas.

E a culpa é minha. E sua.

O Rio não ficou assim de um dia para o outro. Foi piorando susto após susto, drama após drama. E nós aceitamos. Aceitamos os ladrõezinhos de ônibus, os pivetes de rua, os arrastões, as chacinas, as balas perdidas, o ônibus 174, as guerras do tráfico, a morte do João Hélio e todas as outras que se seguiram. De crianças e idosos, de inocentes e culpados, de policiais e de bandidos. Não fizemos nada para mudar coisa nenhuma. E o que é mais assustador: não temos a mais vaga idéia do que poderíamos ter feito ou de que raios ainda podemos fazer.

O Rio Body Count, que literalmente conta as vítimas da violência no Rio (www.riobodycount.com.br, para quem não conhece) transformou em números reais o que antes era só uma sensação de quem acorda de um pesadelo.

A violência descontrolada, a falta de noção do que é certo ou errado, a apatia dos cidadãos indignados e a incompetência dos órgãos responsáveis não fazem parte de um sonho ruim. Assistimos a tudo bem acordados e não fizemos nada. Ou pelo menos, não fizemos o suficiente.

O Rio, hoje, não merece a beleza que tem. E a gente, esse tempo todo, não merecia ver o Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara toda vez que virava a cara para tudo de ruim que estava acontecendo.