Hoje eu acordei com vontade de escrever

Monday, June 18, 2007

Japão - Capítulo 3 – Os bairros de Tóquio

Saí da estação mais movimentada do Japão, Shinjuko, por onde passam por dia cerca de 2 milhões de pessoas, seguindo as placas para o lado Oeste. Este é o lado sério do bairro, uma colecção de arranha-céus, a maioria hotéis ou edifícios administrativos. É aqui que fica o Park Hyatt, o hotel do filme Lost in Translation, e o Edifício do Governo Metropolitano de Tóquio, a melhor vista gratuita da cidade e o nosso destino.

São duas torres, a norte e a sul, e pode-se subir qualquer uma das duas sem pagar nada. Pego o elevador e dois ouvidos entupidos depois estou lá em cima. Dizem que nos dias claros é possível ver o monte Fuji. Não é o caso. Eu ando de janelão em janelão, embasbacada por aquele oceano de telhados. Sim, eu já sabia que Tóquio era enorme. Eu já tinha lido que 1/3 do Japão vive na cidade. Mas só então eu percebi que Tóquio é uma cidade tão grande, que as atracões turísticas não são praças, monumentos nem museus. São bairros inteiros.

Shinjuko – Vale a pena ir até o lado Oeste para ver a vista, mas o melhor deste bairro é o lado leste, uma confusão de gente, telões e neons que resultam numa overdose de informação visual. É difícil entender onde começa e termina Kabuchiko, zona em que restaurantes turísticos convivem com puteiros e bares de strip em plena harmonia. Mas é fácil identificar os últimos, se não pelas fotos das mulheres, pelo desenho dos braços em cruz indicando que o lugar é proibido para menores de 18 anos. Também é fácil encontrar os enormes edifícios de karaoke. E nestes vale a pena entrar para conhecer. Os muitos andares com salas privadas para cantar à vontade são um “must” no Japão. Como sempre, não é fácil se entender com o idioma, mas existem menus das músicas em inglês, o que simplifica bastante. E uma hora voa quando se está cantando suas músicas favoritas, com toda a privacidade e sem nenhum motivo para ter vergonha.

Shibuya – Qualquer simpatizante de animais de estimação e bichinhos em geral fica fã da história do Hachiko, um cão que todos os dias esperava pelo seu dono na porta da estação de Shibuya e que continuou a fazê-lo diariamente, mesmo depois que o dono morreu. Uma estátua do cão foi erguida onde ele costumava ficar. Uma estátua em homenagem à lealdade do melhor amigo do homem. Não precisava muito mais do para o bairro me conquistar. Mas os maiores fãs de Shibuya, o são mais pelas lojas descoladas e restaurantes moderninhos do que pela história bonitinha do cachorro fiel. Os mais abastados caminham carregados de sacolas. Os que não estão podendo se contentam em ver vitrines e gente bonita. Antes do meio-dia, nada de muito interessante acontece no bairro. Espere até de tarde para se perder por ali e aproveite para conhecer um Pachinko. São casas de jogos eletrônicos desde luta, tiro e futebol aos slots. Jogar é divertido – eu particularmente me viciei num jogo que imita um tambor e que você tem que bater ao ritmo da música – mas olhar é uma experiência antropológica. Seja um adolescente tocando guitarra elétrica com a precisão (e a pose) de um astro do rock ou um homem bem crescidinho apostando nas corridas de cavalo virtuais, equipado com pacotes de cigarro e latas de bebidas, sem a menor intenção de ir embora tão cedo. Com certeza você vai sair dali pensando quanto dinheiro um japonês médio é capaz de literalmente jogar fora em apenas uma tarde.

Harajuko – Se for passar um domingo em Tóquio, este é o seu destino. Porque em nenhum outro dia você vai ver garotas e garotos japoneses fantasiados na ponte que passa sobre os trilhos do trem. Eles investem nas roupas, na maquiagem e na atitude. O resultado são personagens de anime em carne e osso posando para turistas do mundo inteiro que tiram tantas fotos quanto os japoneses aqui do lado ocidental. Poucas cenas podem ser tão surreais. É aos domingos também que você vai pegar o seu primeiro engarrafamento a pé. Não é brincadeira. Na rua Takeshita, parece que todos os jovens japoneses marcaram de se encontrar por ali, para ver vitrines e comer os crepes recheados vendidos a cada esquina. (Passe por ali e me diga se foi capaz de resistir ao cheiro doce que toma conta do ar). Quando quiser escapar daquele formigueiro, é só fugir para a rua mais estilosa de Tóquio, a Omotesando. Além das lojas que não precisam de apresentação, como Channel e Issey Miyake, existem muitas outras para descobrir, como a Kiddyland, com vários andares de brinquedos e a Idea Frames, com lindas opções (em conta) de design. Para descansar os pés, nada como sentar num dos cafés da rua. A maioria tem enormes janelões, o que transforma a calçada numa passarela por onde passam japoneses moderninhos da cabeça (eles adoram chapéus e cortes de cabelo descolados) aos pés. Minha sugestão é o Apartment Café, para comer o delicioso bolo de chocolate quentinho com sorvete. Na transversal Meiji Dori, fica a melhor barganha da região. A UT Store vende t-shirts lindas por 15.000 yens cada (cerca de 10€). Só a loja em si vale a visita. Do outro lado da rua, tente descobrir um bar de jazz procurando um sinal em forma de vinil. É só subir uma escadinha de ferro para entrar no pequeno ambiente. Do outro lado do balcão, envolto em fumaça de cigarro, o dono se divide entre escolher o próximo disco de jazz que vai colocar para tocar e preparar os (apetitosos) sanduíches de pastrami, a única comida servida no lugar. Também em Harajuko fica o Museu Memorial de Arte Ota. Não consigo pensar em um museu mais japonês. Tira-se os sapatos para andar pelos chão de tatame enquanto se conhece um pouco mais do Ukiyo-e, arte japonesa feita com impressões em blocos de madeira que inspirou artistas impressionistas como Van Gogh. O museu normalmente fecha na última semana do mês para troca de exposições, vale a pena se informar antes.

Ginza – Ginza é uma ode ao consumo. Um aglomerado de lojas que são muito mais do que lojas. São arquitetura pura, em edifícios inteiros que conseguem ser a síntese de uma marca, como no caso do preto-básico-que-nunca-sai-de-moda da Channel ou no elegantérrimo prédio todo em tijolos de vidro da Hermés. São galerias de arte como na loja da Leica (na rua Chuo-ku com a Miyuki Dori) sempre com exposições de fotografia. São as “depato”, apelido das lojas de departamento, com andares e andares onde se vende de quase tudo. Nestas últimas, penso com saudades nos subsolos dedicados à comida, que aqui não é só coisa que se come (e não faltam provinhas para beliscar). É coisa que se vê, se aprecia, se admira. Principalmente os doces, mais bonitos do que gostosos, o que pode ser uma vantagem já que ver não custa nada e ainda por cima não engorda. A uma estação de metrô de Ginza, fica o Parque Hibiya. Dali para o Palácio Imperial é um pulo. Complete o passeio com uma voltinha pelos jardins, única parte da residência oficial dos imperadores que pode ser visitada. Não deixe de voltar para ver as ruas de Ginza iluminadas à noite. E se precisar fazer uma horinha até anoitecer porque não visitar a cervejaria mais antiga de Tóquio: a Ginza Lion Beer Hall. Um pouco turístico, é verdade. Mas com uma cerveja bem gelada na mão, quem se importa?

Ebisu – Não conheci propriamente o bairro de Ebisu. O que conheci foi o Ebisu Garden Place, um centro com lojas, restaurantes e dois museus que valem a visita. O Museu da Cerveja, na verdade, merece uma visitinha rápida por três motivos: é de graça, tem um filme em 3D bem divertido (apesar de não dar para entender nada) e tem um bar para degustação com preços bem razoáveis no final. Já o Museu Metropolitano de Fotografia é o maior do país dedicado à fotografia e suas excelentes exposições de fotógrafos japoneses e internacionais merecem mais tempo e atenção. Atrás do museu, pode-se viver mais uma experiência fundamental no Japão: o shiatsu. Meia hora de dedos nipônicos pressionando com força seus pontos de tensão no Shiatsu Studio Wonderbeat renovam o seu ânimo para bater mais pernas pela cidade. Para chegar ao Ebisu Garden Place a partir da estação é só seguir as esteiras rolantes.

Asakusa – Neste bairro fica a rua mais charmosa de Tóquio, a Nakamise Dori, uma rua de pedestres ladeada por bancas vendendo artesanato e comidinhas típicas, como os bolinhos em forma de passarinho recheados com doce de feijão e os biscoitos de arroz. Chega a ser covardia. A rua começa no Portão de Kaminarimon, com sua lanterna gigante e as imponentes estátuas dos deuses do vento e do trovão e termina no Templo Senjo-ji, com a sequência de lanternas, as estátuas de Buda, o cheiro de incenso que se espalha pelo jardim cheio de construções vermelho vivo, como o Pagoda. De Asakusa também é possível fazer um passeio de barco até o centro da cidade. Vale não só pela vista da Tóquio a partir do rio, como pelo Jardim Hama Rikyu onde você desembarca. É um jardim como eu sempre imaginei que um jardim japonês seria.

Ueno – Ueno é o parque da cidade, onde as crianças aprendem a andar de bicicleta, os namorados alugam barquinhos para passear no lago e, infelizmente, os sem-teto adotam os bancos como residência. Ainda assim, é um gostoso passeio, principalmente se for fim-de-semana e estiver sol. As atracões mais conhecidas são a estátua do samurai Saigo Takamori, o Museu Nacional de Tóquio e o Ueno Zoo, que me deixou extremamente incomodada pelo (pequeno) tamanho das jaulas, inclusive a do fofo e disputado panda. Mas o bom mesmo foi andar por ali comprando comidinhas como Yakisoba nas bancas de rua e vendo as famílias japonesas na hora de lazer. Eu tive a sorte de assistir em Ueno o melhor espetáculo de rua da minha vida. (Teria sido excelente mesmo se eu tivesse pago um ingresso caro para vê-lo no teatro). Por isso, não hesite em sentar no chão e relaxar se por um acaso passar por um casal vestido de branco fazendo uma espécie de mímica em sintonia com uma música que sai de uma vitrola. Peço desculpas mas, assim como quase tudo que vivi nesse país, é impossível explicar melhor.

Monday, June 04, 2007

Será que a Vó* pensava assim?

Puta que o pariu são cinco da manhã. Cinco da manhã e eu tô acordada. De novo. Envelhecer é isso. É acordar antes de amanhecer não importa se eu ainda tenho sono ou não. É não conseguir dormir de novo não importa quantos carneirinhos eu conte. É passar o resto do dia batendo cabeça e passando a humilhação de acordar com o meu próprio ronco para no dia seguinte despertar às cinco da manhã outra vez. Não cheia de disposição, é claro, porque a última vez que eu acordei cheia de disposição deve ter uns 25 anos.

Que saudades de dormir demais! Que saudades de perder a hora! De acordar com o corpo todo amassado das dobras do lençol e a cara molhada numa mistura de suor e baba do travesseiro!

E de pensar que até outro dia (na minha idade outro dia quer dizer há alguns anos atrás), quando eu ainda precisava colocar os meninos na condução da escola, já com a merenda dentro da lancheira, eu não acordava tão cedo. Nem tão fácil.

Eu não me importo com as rugas, com a dor nas juntas, com cortar os doces por causa da diabetes e o sal por conta da pressão alta. Não me importo nem em ganhar talco do Boticário todo Natal. Juro. Eu uso talco mesmo e o do Boticário até que é bem cheirosinho.

Me importo um pouco com a porra do joanete que faz com que qualquer sapato vire um instrumento de tortura. Me importo também em trocar o nome dos netos e dos filhos, não tanto pelo esquecimento, mas por ser considerada gagá por uma questão semântica, quando eu sei muito bem que é quem, e qual deles vai se dar bem na vida e qual deles vai sofrer que nem um cão. (Se estivesse mesmo gagá declararia em alto e bom som quem são os doidos, os burros e os preguiçosos da minha prole e da prole da minha prole, mas ainda tenho em mim a falsidade inerente à sanidade.)

Também me importo com as novelas de merda de hoje, que não se comparam com Feijão Maravilha ou Bem Amado e, como se não bastasse, ainda vêm acompanhadas de um caminhão de reclames bestas.

Me importo em já não ter aqui os meus pais, os meus irmãos, o meu marido.

Mas o que me incomoda mesmo é meus olhos abrirem invariavelmente às cinco da manhã, de domingo a domingo, logo agora que eu não tenho um caralho pra fazer além de tricô.


*Para os que não sabem, "Vó" era a minha bisa.