História
Nossa personagem principal é a Maria. Maria tem um nome comum porque é uma pessoa comum, do tipo que você não notaria se passasse na sua frente a menos que ela pisasse no seu pé. Estatura mediana, inteligência mediana. Cabelos castanhos sem brilho, olhos castanhos sem brilho, pele castanha sem brilho.
Numa tarde, Maria pisou no pé de Cléverson. Pelo nome já dá para perceber que Cléverson não era nada comum. Se fosse Cléberson, vai lá. Mas Cléverson só poderia ser um sujeito único. Possuía olhos castanhos, mas estes eram vivos. Seus cabelos, também castanhos, caíam sobre a testa, por mais que ele tentasse colocá-los para trás. Sua pele, castanha, exalava um perfume. Perfume de homem bom. Não era alto, mas era imponente. Não era propriamente inteligente, mas tinha presença de espírito.
Ao sentir a pisada de Maria, Cléverson não disse ai porque não doeu. Maria era leve. Na verdade, Cléverson sorriu. Sorriu porque homens cativantes sorriem inadvertidamente. Não é culpa deles. É o que sabem fazer, os pobres coitados.
Maria não sorriu de volta porque só sorria em casa, assistindo a novela das sete na TV. Mas pediu desculpas. Maria, como a maioria das pessoas esquecíveis, era sempre bem educada. Pessoas sem educação sim, chamam atenção. Pessoas educadas passam desapercebidas. Não fui que inventei. A vida é assim.
Maria pediu desculpas e foi embora. Desapareceu antes que Cléverson pudesse perceber. Lembrem-se, Maria era leve. Não fazia assim tanta diferença ela estar em cima ou não do seu pé.
Naquela noite, Maria não prestou atenção na novela das sete. Nem na das oito. Não comeu o jantar. Não pregou os olhos. Só pensava no sorriso mais bonito que já haviam sorrido para ela.
No fim da rua, depois de se despedir da mulher que tinha comido* com a desculpa de que precisava levantar cedo no dia seguinte, Cléverson foi andando devagar para casa. Pensou naquela voz doce. Naquele pé leve. Quis dançar com ela uma dessas músicas de cinema. Quis ouvi-la dizer que o amava.
Maria e Cléverson moravam no mesmo bairro, na mesma rua, a três portas um do outro. Mas seis semanas se passaram antes que se cruzassem de novo.
Durante estas seis semanas, Maria havia se perdido tantas vezes naquele sorriso, que já lhe tinha dado outros olhos, azuis; outro cabelo, menos rebelde; outro porte, mais alto. O sorriso da fantasia da Maria usava óculos, para parecer mais inteligente. E cheirava a perfume importado.
Cléverson, por sua vez, se lembrava perfeitamente da Maria. Da sua voz, da sua leveza, até dos seus olhos, cabelo e pele sem brilho. Com certeza teria se lembrado dela, se a tivesse visto quando ela passou ali, bem na sua frente.
* Personagens de pouca importância para o Cléverson também são pouco importantes para a história, portanto não merecem nome.
2 Comments:
Aláinê!
Sensacional. Vou vir mais vezes para ler tudo. O mundo é feito de Marias, mas sempre vai ter um João para cada uma delas. Ou algo melhor. Vai que a Maria dá sorte?
Beijo!!
Já tá no favorites!
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