Hoje eu acordei com vontade de escrever

Sunday, December 15, 2019

Despedida

Existe uma mágica em não saber como serão as coisas. Saber como não serão, por si só, são fogos de artifício.

Existe um alívio no desconhecido quando o conhecido já exauriu.

Existe leveza numa folha em branco. Não quero desenhar. Não quero escrever. Quero dobrar um aviãozinho, embarcar e deixar o vento levar.

Existe um suspiro na incerteza quando ela é só sua e não mais de dois.

Namorar com a solidão não é mais solitário do que querer mudar o mundo no braço, com as unhas, com o coração se sentindo sempre tão injustiçado.

Que loucura me gostar sem ter que me explicar.
Me desculpar.
Me desviar.
Me anular.

Talvez, o fim exale cheiro de começo.

Tuesday, July 23, 2019

Pra não me ver voar.

Hoje eu vou ser leve como balão de gás hélio.
Você vai ter que me amarrar no pulso pra não me ver voar.

Vou ser leve como gargalhada de criança, daquela contagiosa, 
que vem com lágrima escorrendo pela bochecha avermelhada.

Vou ser tão leve como mãos dadas, 
piada engraçada de tão sem graça, 
filhote de cachorro.

Filhote de cachorro embrulhado pra presente.

Leve como a espuma da água do mar, 
como preguiça de Domingo de manhã,
como primeira página de livro novo e bom,
como janela entreaberta, que deixa passar brisa e sol,
como filme que a gente gosta de ver 10 vezes,
daqueles com música boa, 
daqueles que, quando terminam, a gente quer dar uma festa.
Ou mudar de cidade.
Ou se apaixonar de novo.

Hoje eu vou ser leve como um sorriso, 
mas não um sorriso qualquer, 
só aquele que a gente abre quando vê que vem vindo quem nos faz bem.

Hoje eu vou ser leve como quem acredita.
Em nós dois.
Num mundo mais bonito.
No poema decorado.
No futuro sonhado.
No passado perdoado.

Hoje eu hei de ser leve como a própria leveza perdida.
E pelo menos até amanhã.

Monday, February 20, 2017

Tudo de novo

Aqui vem mais uma tentativa. Preciso me elaborar. Preciso me reinventar. Preciso me escrever. Crônica, prosa, poesia? Estou mais pra rascunho. Rabisca, escreve em cima, nunca fica bom. Há pouco tempo pensei que era ponto final, mas era ponto e vírgula. Virou exclamação que era pra se tornar reticências gostosas e duradouras. Mas virou entre parênteses, sem nada dentro. Vazio, vazio, vazio. Promessas vazias. Eu te amo vazio. Ai que saudade do meu ponto final. Era parágrafo novo, folha em branco, segundo volume da minha história. Fechei o livro ainda em branco. Acreditei no final feliz. Tolinha, burrinha, sozinha. Não era final, nem era feliz. Agora o ponto final fica preso na garganta. Não sai, nem entra. Tudo de novo. Quanto tempo? Por que eu? Por que agora? Pra onde eu vou? Vou escrever. Vou escrevendo pra recriar minha voz. O meu tom. O meu som. Não era um som bom? Um som que você gostava de ouvir? Agora é disco arranhado, que dói na espinha. Tudo de novo. Roubaram minha casa. Ela está ali e não é minha. Tão colorida, tão linda, mas não é minha. É sua. Toda sua. Abro a mão e deixo ela ir? Seguro bem forte pra ela não fugir? Ai que saudade do meu ponto final. Ali eu era forte, era gigante. Aqui eu sou pequena, ser minúsculo, numa casinha colorida que não é minha.

Sunday, June 19, 2011

Poeminha

Está triste aqui dentro.
Está frio aqui dentro.
Está chato aqui dentro.
Dentro de mim.

Queria sair. Ou deixar você entrar. Quando foi que você foi embora? Ou será que você dormiu? Cansou? Morreu? Passou?

Passa não, por favor.

Haja calor para me descongelar. Haja dor para me desanestesiar. Haja amor para me amar.

Será que tem?
Tem não, tá em falta.
Tá bem, obrigada. Volto amanhã. Quem sabe já chegou.
Pode ser, tá para chegar.

Tomara.

Hoje volto a dormir no frigorífico. Boa noite.

Muá. Muá.

Wednesday, May 25, 2011

Eu voltei, voltei para ficar.

Não é fácil voltar. Já comecei e apaguei algumas vezes essas letras que tentam me definir. Escrever é me buscar, é me perder , é me encontrar e me perder outra vez, no meu próprio olhar. Me repito: quanto mais velha, mais boba eu fico. Boba, boba, boba. Chata, chata, chata. Feia, feia, feia. Uma criança de 35 anos, voltando a trabalhar, voltando a escrever, voltando a me expor e me impor. Marido, filhos, cachorro, se preparem. "Põe meia dúzia de Brahma pra gelar. Muda a roupa de cama. Eu tô voltando." Voltei ainda gostando de letra de música e citando Chico. E um pouco do Rei. Voltei cheia de vontade e opinião. Voltei porque cansei de guardar e esperar o fim dessa metamorfose para voar. Vou voar agora, mesmo que a asa não esteja pronta. Vou chorar agora, mesmo que seja na sua frente. Vou falar agora, mesmo que ninguém queira me escutar. Eu quero. Mais do que quero, preciso. Meu corpo pede com antigas manias. Minha cabeça pede com novas questões. Minha alma pede, como sempre pediu, pelas mesmíssimas razões.

Pronto, até rimei.

Sunday, May 15, 2011

Ninguém morre de amor

Romeu e Julieta morreram por um mal entendido porque se não fosse aquele plano mirabolante de fuga, alguns anos e muito sofrimento depois, Julieta teria três filhos com um amigo da família Capuleto e Romeu moraria com uma australiana que conheceu numa viagem de mochilão. E os dois seriam felizes e se lembrariam um do outro de vez em quando, como algo que aconteceu em outra encarnação.

Ainda assim, separação é uma merda. Qualquer um que já colocou uma vida na mala e foi embora, levando o sonho de felizes para sempre junto com a roupa dobrada e os sapatos guardados em saquinhos de pano da Mr. Cat, levou um tempo para acreditar que aquela dor um dia iria passar.

Primeiro é preciso amigos tentando abafar a angústia com abraços, dormir soluçando numa cama só sua, um anel novo para cobrir a marca da aliança. É preciso ouvir Trocando em Miúdos até o disco furar, querendo conversar com o Chico, porque ele deve saber o que você está sentindo, senão não teria escrito aquela música. É preciso matar planos, contas conjuntas, lembranças e diálogos mentais intermináveis.

Ainda assim, ninguém morre de amor.

Pode não ser muito romântico. Mas, para a preservação da nossa espécie, é um fato. Uma hora a gente descobre o que restou da gente e aprende a gostar desse resto até que aquilo que parecia tudo é só passado.

Detesto ver aqueles de quem eu gosto de verdade neste momento em que se tem certeza que sim, eles vão morrer de amor. Mas como foi bom hoje encontrar uma amiga para quem comecei a escrever este texto há quase três anos atrás e comprovar que o que ele diz é a mais absoluta verdade.

Thursday, July 16, 2009

O seu olhar

Faz 20 anos que te conheci. Cheguei à festa de um aluno da faculdade e você conversava animada com outras três pessoas. Baixinha, com umas cadeiras largas e um peito pequeno, que não fazia questão de esconder debaixo da camiseta branca, sem sutiã. Dez anos mais jovem do que eu, o que naquela época, eu considerava velha. Provavelmente não teria nem reparado em você, se você não tivesse reparado em mim. Reparado e disparado um olhar que me comeu inteirinho. As três pessoas com quem você conversava olharam para trás. Eu corei. Eu, Eduardo de Souza Martins, corado. Me senti uma menininha virgem quando se descobre um ser sexuado pela primeira vez, pelo olhar de algum sem vergonha descarado.

Foi assim e faz 20 anos. Eu que era conhecido e invejado pelas mulheres com quem saía, me vi impotente e comovido por um olhar de uma moça sem graça, cujo o único atrativo era a indisfarçável vontade de me ter.

E me teve. Você me teve contra todas as minhas vontades.

Eu casei quando queria ficar solteiro, eu fui para Guarapari quando queria ficar em casa, eu aceitei aquele emprego quando havia prometido que nunca usaria terno e gravata. Eu topei a putaria com a Juzinha e o Cláudio quando não tinha a menor vontade de trepar com a Juzinha e sabia que me consumiria de ciúmes do Cláudio. Eu me consumi de ciúmes do Cláudio e bebi litros de whisky barato enquanto você ria e segurava o meu rosto dizendo que eu não podia estar mais errado. Eu descobri que não estava errado. Eu sofri sozinho e calado, decidido a não dizer nada para não perder a ilusão de que ainda restava, escondido no seu olhar desviado, alguma vontade de me ter.

Quantas vezes eu chorei no colo de outras putas, sentindo a saudade ferir a facadas a minha dignidade. Quantas vezes jurei que ia sumir até você desaparecer de dentro de mim. Mas eu sempre voltava para casa.

E numa destas voltas, cheirando a bebida e sabonete, te vi de malas prontas, dizendo que não aguentava mais viver assim. Me ver assim.

Tentei te segurar, te abraçar, mas fui contido pelo seu olhar. Um olhar que me corroeu inteirinho. Um olhar que desejava mais que tudo nunca ter me possuído.

Faz 7 anos que você foi embora. Mas ainda existem dias como hoje em que eu acordo com vontade de te encontrar. E dizer que estraguei anos de minha vida, que eu quis morrer, que tive meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não fazia o meu gênero!

A vontade passa e fica o medo do seu próximo olhar. Um olhar nem de desejo, nem de nojo. Um olhar que, ao contrário de mim, foi capaz de esquecer tudo, de perdoar tudo, e que, mesmo disfarçado com um milhão de palavras, não iria dizer absolutamente nada.