Faz 20 anos que te conheci. Cheguei à festa de um aluno da faculdade e você conversava animada com outras três pessoas. Baixinha, com umas cadeiras largas e um peito pequeno, que não fazia questão de esconder debaixo da camiseta branca, sem sutiã. Dez anos mais jovem do que eu, o que naquela época, eu considerava velha. Provavelmente não teria nem reparado em você, se você não tivesse reparado em mim. Reparado e disparado um olhar que me comeu inteirinho. As três pessoas com quem você conversava olharam para trás. Eu corei. Eu, Eduardo de Souza Martins, corado. Me senti uma menininha virgem quando se descobre um ser sexuado pela primeira vez, pelo olhar de algum sem vergonha descarado.
Foi assim e faz 20 anos. Eu que era conhecido e invejado pelas mulheres com quem saía, me vi impotente e comovido por um olhar de uma moça sem graça, cujo o único atrativo era a indisfarçável vontade de me ter.
E me teve. Você me teve contra todas as minhas vontades.
Eu casei quando queria ficar solteiro, eu fui para Guarapari quando queria ficar em casa, eu aceitei aquele emprego quando havia prometido que nunca usaria terno e gravata. Eu topei a putaria com a Juzinha e o Cláudio quando não tinha a menor vontade de trepar com a Juzinha e sabia que me consumiria de ciúmes do Cláudio. Eu me consumi de ciúmes do Cláudio e bebi litros de whisky barato enquanto você ria e segurava o meu rosto dizendo que eu não podia estar mais errado. Eu descobri que não estava errado. Eu sofri sozinho e calado, decidido a não dizer nada para não perder a ilusão de que ainda restava, escondido no seu olhar desviado, alguma vontade de me ter.
Quantas vezes eu chorei no colo de outras putas, sentindo a saudade ferir a facadas a minha dignidade. Quantas vezes jurei que ia sumir até você desaparecer de dentro de mim. Mas eu sempre voltava para casa.
E numa destas voltas, cheirando a bebida e sabonete, te vi de malas prontas, dizendo que não aguentava mais viver assim. Me ver assim.
Tentei te segurar, te abraçar, mas fui contido pelo seu olhar. Um olhar que me corroeu inteirinho. Um olhar que desejava mais que tudo nunca ter me possuído.
Faz 7 anos que você foi embora. Mas ainda existem dias como hoje em que eu acordo com vontade de te encontrar. E dizer que estraguei anos de minha vida, que eu quis morrer, que tive meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não fazia o meu gênero!
A vontade passa e fica o medo do seu próximo olhar. Um olhar nem de desejo, nem de nojo. Um olhar que, ao contrário de mim, foi capaz de esquecer tudo, de perdoar tudo, e que, mesmo disfarçado com um milhão de palavras, não iria dizer absolutamente nada.