Passeio no parque
Era um desses dias bonitos. Céu perfeitamente azul. O sol fazendo o seu trabalho de iluminar o mundo, sem nenhuma nuvem para atrapalhar. Ele saiu para um passeio.
Entrou num café e pediu um expresso curto. Tomou o café forte enquanto via o sujeito no balcão contar uma história a um cliente. Não ouvia o que ele dizia, mas não conseguia parar de prestar atenção. Era como assistir TV sem som.
Quando sua mãe telefonava, sempre tirava o som da TV. Ouvia aquela voz familiar, assistia a televisão, mas não prestava atenção em nenhuma das duas coisas. Simplesmente desligava. Era a sua meditação. Nada de posição de lótus. Nada de murmúrios de homens vestidos de bata amarela. Um programa qualquer numa TV muda e a voz da sua mãe. Era bom não pensar em nada.
Terminou o café, lançou as moedas sobre o balcão, desejou um bom dia e foi embora. Estava frio, mas com tantos casacos, gorros e luvas só sentia o frio no rosto. Bochechas geladas, nariz escorrendo. Respirou fundo e viu a fumacinha sair da sua boca.
Estava se sentindo bem. Foram dois anos de inferno. Poucos dias como hoje. Muito poucos dias como hoje. Não só conheceu o fundo do poço, como morou nele. Mas hoje não estava pensando nisso. Pelo menos não tanto como em tantos outros dias.
Hoje foi passear no parque. Hoje se sentiu bem. Hoje pensou coisas boas. Chegou à conclusão que o Outono era a estação de Deus. O sol entrando pelos buracos das árvores, desfolhadas. As folhas douradas no chão, brilhando, como se respondessem perguntas íntimas ao sol. Um mistura de sombra e luz. Um equilíbrio perfeito. Deus.
Um pássaro preto com a cauda branca andava pulando sobre a grama. Aquele jeito engraçado dos pássaros andarem, como se estivessem dizendo “Não, eu não sei andar direito. Eu nasci para voar.” Olhou para o pássaro e o pássaro olhou de volta. Olhou bem nos seus olhos.
- Haxixe? Cocaína?, ouviu a voz de um homem que se aproximava. Desviou o olhar do pássaro, viu o homem de casaco de capuz, com jeito de quem não quer nada. Seu corpo gelou como se o inverno tivesse começado no seu estômago. Reconheceu o tipo. Não aquele especificamente. Mas os traficantezinhos de merda que circulam por aí buscando gente fodida como ele.
Porra!, pensou. Deus e o diabo vivem muito perto. O problema é que enquanto você tem que ficar procurando Deus, o diabo sempre te encontra.
3 Comments:
Boneca,
Muito legal! A TV sem som e o telefone, sou eu...
Eu - em contagem regressiva!
Deus e o Diabo dormem numa beliche.
Mãe,
Homens não ouvem o que as pessoas falam. Mulheres anotam mentalmente tudo para poder usar contra você depois.
Rodolfo,
Quem dorme em cima e quem dorme em baixo?
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