Hoje eu acordei com vontade de escrever

Sunday, October 12, 2008

Primeiros dias

Minha filha tem hoje um mês e meio. Dizem que o bebê demora a descobrir que ele e a mãe não são uma pessoa só. Acho que a mãe passa pelo mesmo processo. Muitas vezes me pergunto quando vou voltar a ser eu. Acho que nunca. Mas também espero não ser por muito tempo apenas essa mistura de vaca mimosa com Dona Maria. Quando não estou amamentando, ninando ou trocando fraldas, estou lavando e passando roupa e com mais um monte de "serviço" por fazer.

Minha gravidez foi abençoada (depois que viramos mãe passamos a usar mais palavras assim, como abençoada). Meu parto foi exemplar. A matrona (uma espécie de parteira) me disse que, se o primeiro foi assim, com o segundo não vai dar tempo de chegar ao hospital. Não tive depressão pós-parto e nada de "baby blues", o apelido de uma tristezinha hormonal e natural das recém-mamães. Até agora posso dizer que estou muito, muito feliz. E em paz.

Dito isto, também preciso dizer que tem horas que o desespero bate. Ela chora e eu não consigo acalmá-la (pior: ela chora na rua e eu não consigo acalmá-la sob o olhar incriminador dos transeuntes), meu peito fica duro que nem pedra, meu sono está atrasado e eu cheiro à leite. Saio do banho com os seios pingando e - embora isso seja maravilhoso - estou meio cansada da fábrica da Parmalat que opera a todo vapor aqui dentro.

Ou seja, minha filha é feliz e tranquila e, na verdade, até agora os dias e noites foram bem melhores do que eu imaginava. Só que a vida é mais dura fora da nossa cabeça e mesmo sendo mais fácil do que eu pensava, é muito mais difícil do que eu podia esperar. Deu pra entender?

O que eu quero dizer e registrar aqui para que eu me lembre depois que o tempo mude a minha perspectiva das coisas é que eu estou muito feliz e ao mesmo tempo perdida e angustiada. Às vezes choro de cansaço quando ela acorda pela quinta vez em meia hora e depois me sinto culpada por não niná-la pela sexta vez com um sorriso no rosto. Aí choro outra vez. Às vezes, quando estou passando roupinhas pequenas demais para um ferro de passar, me pego pensando quando vou voltar a ter vida, se vou ser capaz de voltar a trabalhar e produzir.

Hoje, depois de quase encostar a minha mão no ferro quente, lembrei da Vó. A Vó é a minha bisavó que todos chamavam de Vó, até os vizinhos ou o porteiro. Demorei anos para descobrir que o nome dela era Francisca. Nome que ela detestava, por sinal. Mas voltando ao assunto. Lembrei da Vó porque ela quase sempre tinha uma marca de queimadura do ferro nas mãos enrugadas.

A Vó era isso: cuidar. Ela cuidava dos netos e da bisneta aqui com tanto afinco e dedicação que quando crescemos e fomos embora, a Vó foi para o céu porque não tinha mais com quem exercer a sua vocação. E nós que fomos cuidados pela Vó por tantos anos não conseguimos pensar nela com nenhum sentimento que não seja amor e saudade. De repente, fiquei orgulhosa de estar cuidando como a Vó cuidava, e amando como a Vó amava.

Passei as roupinhas feliz (e com mais cuidado para não me queimar). Mas continuo aguardando o dia em que eu vou sentir que eu e minha filha não somos uma pessoa só. É claro que não serei a mesma pessoa de antes. Isso faz parte da maternidade. Mas espero então descobrir que sou uma boa mistura entre o que eu era, a Vó e mais alguma ou outra coisa que me faça forte, feliz e uma boa mãe, é claro.