Hoje eu acordei com vontade de escrever

Tuesday, July 17, 2007

Análise da alma feminina nº 1

Ela era perfeita. Bonita e ao mesmo tempo simpática. Gostosa e ainda assim modesta. Rica, sem ser pedante. Usava um vestido que caía como uma luva. Decote que revelava o suficiente, nada vulgar. Óculos escuros que pareciam ter sido feitos naquele rosto. Boca cheia, sorriso sincero. Cabelos lisos e pele dourada, ainda mais dourada sob o sol. Andava quase em câmera lenta, tamanha graciosidade. Tomava conta do calçadão. Pernas longas, músculos fortes, sublinhados pelo salto. Salto que ficou preso entre duas pedrinhas portuguesas. A perfeição caiu no chão.

Sem aviso prévio, dezenas de mulheres observadoras foram felizes ao mesmo tempo.

Ah, o sexo feminino se satisfaz com tão pouco.

Friday, July 13, 2007

Água

Nunca quiseram que ficássemos juntos. Nunca. Desde o momento em que me viram. Velho, gordo. Quer dizer, velho para ela. Gordo para ela. Juro que entendo. Também não gostaria que a minha filha – semi-virgem, recém-adulta – aparecesse em casa com um comedor de putas. Confesso, tenho cara de comedor de putas. Também tenho cara de funcionário. Uma aparência de quem não é, nem nunca será dono de nada. Eu compreendo o ressentimento daqueles pais. Bons pais de boa filha.

Tenho certeza de que sempre que me vêem, sempre que eu passo lá para buscá-la, que dou boa noite, eles imaginam a gente trepando. Eu em cima dela. Ela de quatro, gostando. Só isso explica a expressão que eles fazem. O nojo da mãe. A inveja do pai. Inveja de eu poder dar a ela o único tipo de amor que ele não pode. Logo eu, um funcionário comedor de putas. Fico com pena.

Uma vez, ela me disse que sente os olhares, as recriminações como água. Jatos de água sempre no mesmo ponto, até machucar. Água que aparentemente só molha. Pais que aparentemente só amam. Os dois podem torturar. Tão nova e diz uma coisa destas. Tão linda e diz uma coisa destas.

Foram-se uns meses e nada tinha passado de olhares e silêncios. Até então era um ódio cortês. Um ódio de classe média bem educada. Neste dia, quando ela entrou na sala, de vestidinho verde solto no corpo, sandálias altas e batom que brilha, eu sorri. Um sorriso não pensado, um sorriso que sorriu. E ofendeu aqueles pais como um tapa na cara. Eu não apenas trepava com ela. Eu estava apaixonado por ela.

- Eu preferia que ele não colocasse mais os pés nesta casa, disse a mãe que quase nunca falava.

- Água, disse ela.

Eu lhe falei de um lugar onde nos sentiríamos no deserto. Sua gratidão me confortou. Partimos em silêncio. A boa filha e o funcionário comedor de putas sorridente.

Al Gore Friendly

Conhecem o americano Mark Ontkush? Eu não. Tudo o que sei é que ele tem um blog chamado Eco Iron onde ele publicou um post sobre como a tela com fundo preto consome muito menos energia do que a tela com fundo branco (59 watts x 74 watts). Ele usou o google como exemplo, o que deu a estes valores uma dimensão "megawáttica". E o google respondeu com o blackle.com, basicamente o mesmo google de sempre, só que pretinho básico.

E no meio disso tudo, concluí que este bloggezinho que vos fala é ecologicamente correto. Salvem o planeta! Leiam o meu blog.

Thursday, July 05, 2007

A dúvida

O grande problema da dúvida é que você nunca, por nada nesse mundo, vai saber como teria sido se você tivesse escolhido aquilo que não escolheu.

Por exemplo, se você resolve casar com o Jorge ao invés do José, nunca vai saber como teria sido se tivesse apostado no outro. Mesmo que, por uma ironia do destino, a sua vizinha venha a ser a Sra. José e pela proximidade geográfica você saiba que ele engordou 60kg e bate nela de vez em quando, isso não quer dizer que teria sido assim se a Sra. José fosse você. Pode até servir de consolo. Qualquer ser humano minimamente normal pensaria “Ufa! Ainda bem que eu escolhi o Jorge! Já pensou se eu tivesse casado com esse traste do José?”. É justo. É reconfortante. Mas não é verdade. A verdade é que a gente só se diz isso para tentar acalmar aquele bichinho lá dentro. Aquele bichinho que sabe que nunca vai saber.

Esse bichinho tem a perfeita noção de que se você tivesse casado com o José pode ser que hoje ele fosse extremamente carinhoso porque nunca engordou e que nunca tivesse engordado porque:
1. você cozinha mal
2. vocês trepavam muito e bem, o que significa que ele faria muito mais exercício.
3. na verdade ele só engordou e ficou violento porque você trocou ele pelo Jorge. (Adoro como os devaneios são sempre tão auto-centrados)

Ou não.

Outro exemplo. Você vai no restaurante e não sabe se pede a carne ou o peixe. Você pede o peixe. Seu amigo pede a carne. Linda, macia, daquelas que derretem na boca. Você pensa, eu devia ter pedido a carne. Mas a verdade é que a sua carne poderia ter passado do ponto. O seu arroz poderia ter vindo com um fio de cabelo do cozinheiro. Saber, como a gente sabe que 1 + 1 são 2, não dá para saber. E ainda: se você tivesse pedido a carne, mesmo que ela tivesse vindo muito boa, mas muito boa mesmo, você automaticamente perderia o direito de saber se o peixe estava melhor.

Não é a dúvida que é cruel.
Cruel é não saber como teria sido se tivesse sido de outro jeito.