Hoje eu acordei com vontade de escrever

Monday, May 28, 2007

História 2

Para quem pega transporte público cheio depois do trabalho, uma carona de um colega no fim do dia é quase tão bom quanto ganhar na loteria. Por isso, na primeira vez que Alberto ofereceu, Maria Cláudia abriu seu maior sorriso. E lá foram de conversa fiada nas intermináveis horas de engarrafamento. Foi assim um dia, outro dia, e meio que sem querer ficavam se esperando no fim do expediente. Se ele ficava preso a espera de uma ligação, ela aproveitava para revisar os relatórios de vendas. Se ela precisava de mais quinze minutos para imprimir as cópias da ata da reunião de amanhã, ele dizia a si mesmo que ainda faltava ler uns e-mails.

Desciam sempre no elevador falando do trânsito, que hoje estava ainda pior por conta de um acidente na Linha Amarela. Nem percebiam, debaixo daquele mau humor padrão que devemos sentir quando sabemos que o trânsito vai mal, o prazer que lhes proporcionavam os acidentes, tanto os da Linha Amarela como os do Túnel Rebouças.

Quanto mais tempo passavam no Gol Gti 98 prateado de Alberto, mais se conheciam. Quanto mais se conheciam, mais queriam se conhecer. Há alguns meses, antes de começarem a dividir o espaço exíguo do automóvel, Maria Cláudia não sabia que Alberto comia uma omelete de queijo quase toda noite; que uma vez por semana almoçava com a irmã que apanhava do marido; que tinha operado o joelho esquerdo, mas sentia dores no direito; e que puxava um pouco de baba toda vez que ria, emitindo um barulhinho engraçado que fazia cócegas nos seus ouvidos.

Nem Alberto sabia que Maria Cláudia tinha uma irmã gémea chamada Maria Antônia, que já nasceu morta, mas com quem ela conversava todas as noites; que era viciada em leite condensado direto na lata, com dois furos (um para beber, outro para entrar o ar e facilitar o processo); que até então seu relacionamento mais longo fora com um homem vinte anos mais velho e casado; e que tinha o seio esquerdo ligeiramente maior do que o direito.

Não era raro Maria Cláudia se espantar porque já haviam chegado em sua casa, depois de rápidos 78 minutos no engarrafamento. Nem Alberto se sentir desconfortavelmente sozinho nos 7 minutos dali até a sua casa.

É fácil para nós, que escrevemos e lemos, dizer que eles estavam apaixonados. Mas para os protagonistas em questão levou um bocado de tempo até se darem conta do que se passava naquele ar parado de carro-na-hora-de-pico-em-avenida-larga-de-cidade-grande, rindo quando gostavam da mesma música, chorando quando a mãe dele faleceu ou em silêncio quando acharam que ela perderia o emprego.

Um dia, num impulso que não era muito dela, Maria Cláudia convidou Alberto para subir. Ela não estava com vontade de ver novela e, ainda por cima, tinha ovos e queijo em casa e adoraria comer uma omelete.

O excesso de espaço da casa fez com que se sentissem a quilômetros de distância um do outro. Sentiram saudades de quando o que os separava era só o freio de mão. Estavam exageradamente desajeitados. Ela chegou até a quebrar um copo. Comeram a omelete numa conversa que não fluía, cheia de monossílabos e pausas que não se encaixavam no assunto.

Lavaram a louça.

Ficaram quietos.

E se beijaram, se beijaram, se beijaram, se beijaram tanto, que tinham o vermelho dos lábios quase chegando ao nariz. Ela tirou a blusa. Ele colocou a mão no seu peito esquerdo, o maior. Ele tirou a blusa e sentiu as mãos na barriga, ainda geladas da água da louça. Riram à vontade, aliviados com a volta da intimidade desaparecida. Rolaram em pé, alternando quem ficava de costas para a parede e quem tirava mais um pouco da roupa de quem. Fizeram tudo o que o leitor imagina e o fizeram algumas vezes.

Já estava tarde, ou melhor cedo, e ele precisava ir. Ela precisava ficar, afinal ela morava ali. Conversa de bobos, bêbados de sacanagens e putarias, que nesse estado, nunca tem muito o que falar. Mais um beijo rápido e até amanhã. Entrou no carro ainda sentindo o suor que não era dele na pele. Lambeu o braço para sentir outra vez o gosto dela. Engatou a ré e saiu da vaga bocejando, sem ver o carro que fazia a curva a 130km/h.

...

Quando o caixão terminou de descer, o ar cheirava a flores e tristeza. A família em prantos, desconsolada, e os amigos engolindo seco, com uma certa culpa por ainda estarem vivos.

Maria Cláudia reconheceu a irmã de Alberto - a mesma sobrancelha e o mesmo nariz -, de braços dados com um homem. Abraçou a mulher dizendo “sinto muito” e deu um murro com toda a sua força (e a de mais três) no queixo do marido violento. Ignorando a mão que latejava e a covardia do caçador que experimenta ser caça, virou as costas para os ahs e ohs e voltou para casa. Tomou um banho, colocou a roupa para lavar e fez omelete de queijo para três. Comia e ria enquanto contava para Maria Antônia e Alberto o ocorrido no cemitério mais cedo. Era mesmo uma pena eles não terem estado lá.

Friday, May 18, 2007

365 dias com 30 anos

Amanhã eu me despeço dos meus 30 anos. E logo hoje eu ouço aquela música que diz “Could it be that I was born without a clue to carry on and still it is the same as I’m older?” Essa tal coincidência tem mesmo um estranho senso de humor. Por conta disso, no meu 365º dia de trintona, lá vou eu a pensar na vida. Olha que a televisão, o iPod e o jornal distribuído gratuitamente no metrô são as melhores invenções modernas para aqueles que, como eu, detestam pensar na vida. Mas tem horas que ter um cérebro tem seu preço.

Com 15 anos, nós costumamos pensar que com 30 vamos ser velhos. Com 20 e poucos, já sabemos que com 30 anos ainda não vamos ser velhos, mas achamos que vamos ser bem resolvidos.

Rá-rá-rá.

Amanhã eu já não terei 30 anos. Contrariando as minhas expectativas para a idade, não estou no auge da minha carreira, não tenho muito dinheiro no banco e, até agora, nada de filhos. Mesmo quando acho que sei o que eu quero, não tenho a menor idéia de como consegui-lo. Ainda tenho questões com o meu pai sobre quem dá menos atenção a quem. E, pasmem, às vésperas dos 31 anos completos, não consigo fazer baliza.

Mas para contrabalançar toda esta imaturidade interna, tem a coisa da aparência. Sempre tive cara de criança, sempre me deram menos idade do que eu tinha, mas essa é uma característica que eu perdi algures nos últimos dois anos. Não sei dizer exatamente quando, só sei que – puft – sumiu. Não que eu esteja cheia de rugas ou cabelos brancos. Os poucos que a minha amiga Danyelly (assim mesmo, com dois “l” e dois “y”) descobriu outro dia só são vistos de cima, por pessoas que me fazem cafuné. Ou seja, pessoas com intimidade o suficiente para eu ser velha à vontade. Eu não estou gorda, nem tão caída assim. Pelo menos de roupa. A verdade é que quase nada mudou, só que aquela menininha não está mais lá. E eu sinto saudades dela.

Mas que se foda. Me peço desculpas por não ser a rainha da cocada preta que eu esperava ser quando tinha 20 e poucos anos e agradeço a mim mesma por ter me feito feliz de lá pra cá. Pelo menos na maior parte do tempo. Isso é grande coisa, sim. E argumento forte o suficiente para terminar aqui o último suspiro da minha crise dos 30.

Monday, May 07, 2007

Japão – Capítulo 2 - Os templos

Antes das seis da manhã estávamos acordados. Faz parte da experiência de dormir num templo. Os hóspedes são convidados a participar da cerimônia religiosa diária. Faz frio já que estamos no alto de uma montanha – Koyasan – um dos lugares mais sagrados do Japão, centro do Budismo Sheigon. Nos vestimos apressados e somos os primeiros a chegar. Um monge ainda termina de arrumar os últimos detalhes. Os outros hóspedes vão se juntando a nós. Éramos oito. Ajoelhamos no chão sentados sobre os calcanhares, olhando para os cinco monges (um no centro, de manto roxo, e os outros em volta dele, de manto laranja), nenhum deles de frente para nós. O cheiro de incenso, o cântico hipnotizante, o soar do tambor, a maneira como os japoneses mantém uma postura ereta (muito diferente da nossa cabeça baixa e corpo curvado durante toda a missa), tudo traz uma energia muito boa e uma paz muito grande.

Depois das orações, o monge que conduziu a cerimônia (o de roxo) diz algumas coisas em japonês (algumas engraçadas pela reação das outras pessoas) e faz um sorteio. Tínhamos recebido umas senhas na noite anterior e mostramos nossos papéis para um senhor ao nosso lado para descobrir que meu marido tinha sido sorteado. Ele ganha um quadrinho com alguma coisa que a gente não tem a menor idéia escrita. Todos ficam impressionados, fazendo uma certa reverência para aquele que recebeu o que nos pareceu ser um esperado sinal de boa sorte (ufa).

É aniversário do meu marido. Tentamos contar para as pessoas, mas parece que ninguém entende. Deixamos para lá, felizes com o presente, e seguimos o monge escada abaixo para andar sobre saquinhos de pano cheios de areia, cada um com uma palavra (ou seria frase?). Mais um ritual que eu não entendia, mas que me fazia sentir bem, não sei bem porquê.

Ainda tentamos puxar conversa e descobrir exactamente o que estava escrito naquele quadrinho. Conseguimos apenas confirmar que era boa sorte. Antes de ir embora da cidade, passamos no Centro de Informações e, já que eles falam inglês, insistimos numa tradução. O homem confabula com um colega e depois liga para o templo. Anota algumas coisas numa folha de papel e pesquisa na internet. O resultado foi “você, a natureza, o ambiente, tudo está não-escondido, revelado”. OK. Se é para trazer boa sorte está ótimo pra gente.

Ficar hospedado no Henjosôn-in foi uma das melhores experiências da viagem. Mas a quantidade de templos (budistas) e santuários (xintoístas) que aparecem na frente de um turista no Japão é enorme. Tem uma hora que cansa. Meu marido cansou primeiro, é verdade. Desisti de ir a Nikko ou Kamakura (pretendia visitar uma das duas cidades perto de Tóquio até o fim da viagem). Mas alguns dos templos realmente valeram a visita. São eles:

- Senjo-in (Tóquio): Foi o primeiro que visitamos, onde aconteceu a história da fortuna. O templo é muito bonito e a rua que se pega para chegar lá, Nakamise-Dori, tem deliciosas lojinhas para comprar artesanato e provar biscoitos de arroz ou o doce em forma de passarinho, recheado de feijão.

- Okuno-in (Koyasan): Na verdade é um cemitério, onde no fim está o templo dedicado ao fundador de Koyasan e do Budismo Shingon, que está ali em “eterna meditação”. O passeio pela parte do cemitérios dentro da floresta é mágico. Se você estiver andando entre tumbas de mármore e não de pedra, e sem árvores sobre a sua cabeça você está na entrada nova, o que tira todo o encanto do passeio. Vale a pena voltar e passar pelas 3 pontes que levam a sala das lanternas, onde ficam milhares de lanternas acesas em honra dos mortos. Por uma pequena fortuna, você pode comprar uma lanterna e dedicar a alguém. Dizem que duas estão acesas desde a idade média. Atrás da sala das lanternas está o mausoléu. No lado esquerdo, antes do hall das lanternas, fica uma pequena cabine com uma pedra dentro. Supostamente, a pedra tem o peso dos seus pecados. Meu marido achou mais leve do que eu. Prefiro pensar que é porque ele é mais forte.

- Kyomizu-dera (Quioto) – Na disputa pelas novas maravilhas do mundo, este templo também fica entre árvores, no alto de um morro, com vista para a cidade. A sua arquitetura é famosa por causa dos grandes pilares de madeira que seguram a varanda. Do Pagode, entre as árvores, tem-se uma bela vista da construção e impressiona saber que os pilares não têm nenhum prego. Na saída, paramos no restaurante que vende noodles e disputamos umas das mesinhas do lado de fora, com vista um lado para as árvores, no outro para a fila de gente querendo beber a água pura (kyomizu-dera quer dizer templo da água pura). Atrás do templo principal, fica um templo menor, dedicado ao amor. É divertido ver hordas de adolescentes de mini-saia rezando com vontade para encontrar a cara-metade. Dizem que se você consegue andar de olhos fechados entre as duas pedras que estão ali, com certeza a encontrará. Na saída, reparei nos preços dos talismãs. O que ajuda a ter uma segunda chance na vida amorosa custava o dobro do preço dos outros. Mas tenho certeza que os corações despedaçados pagam sem pestanejar.

- Sanjusangendo (Quioto) – Por fora, o edifício de madeira mais comprido do mundo não tem nada de especial em relação aos outros templos. Mas as 1001 estátuas douradas da deusa da misericórdia enfileiradas do lado de dentro me conquistaram. A estátua central, com mil braços, também impressiona. Ali, escrevi meu nome e um pedido num pedaço de madeira para ser queimado numa cerimônia. Diz-se que a Kanon perdoa os seus pecados e atende ao seu pedido. Agora é esperar para ver.

- Santuário Meiji (Tóquio) – Destruído na 2ª Guerra Mundial, foi reconstruído com madeira doada pelos cidadãos. Fica numa área arborizada, perto de um parque e da ponte onde os jovens fantasiados se reúnem aos domingos, no moderno bairro de Harajuko. Por isso mesmo é um choque. Principalmente porque tive a sorte de presenciar um casamento. Junto com muitos outros turistas, contemplei os noivos e convidados que se preparavam para a foto oficial. Ali, vendo o fotógrafo ajeitar o vestido da noiva, percebi como viajei no tempo em apenas dez minutos de caminhada.

Estes foram os que eu mais gostei, dos poucos que vi. Poucos porque são muitos. Só em Quioto são mais de dois mil. Para os que vão ter a oportunidade de visitar alguns deles pela primeira vez fica a dica. Na entrada, lave as mãos e a boca para se purificar. Encha a panelinha de água, lave primeiro a mão esquerda e depois a direita. Coloque um pouco d’água na mão esquerda e lave a boca e, se quiser, o rosto. Não beba direto da panelinha. Depois deixe o resto da água cair na direção do cabo e coloque-o de volta no lugar.

Friday, May 04, 2007

Japão – Capítulo 1 – Os Detalhes

Estou no meu primeiro dia no Japão, na minha primeira visita a um templo. Por 100 yens posso tirar a minha sorte. Jogo a moedinha, sacudo a caixa e tiro um palito de madeira. Procuro a gaveta correspondente aos ideogramas gravados nele. Lá dentro tem um pedaço de papel. Vamos a ele. Embaixo do texto em japonês, a tradução em inglês para a minha fortuna não é nada, nada boa. Meu marido resolve tirar outra para anular aquela. Repete todo o processo, abre outra gavetinha e a dele não é melhor do que a minha.

E agora, o que a gente faz com aquilo? Guarda? Joga fora? Pedimos ajuda a uma menina japonesa que lê a minha sorte e diz “Nôoo. Bad fortune.” Até aí eu já sabia. Mas ela me mostra uns ferrinhos e manda eu amarrar o papel ali, onde estão tantos outros, e me explica que assim eu vou negar aquela sorte.

Adorei a idéia de poder negar a má sorte. Foi com alivio que dobrei o papel e o amarrei ali, dizendo “não, obrigada” para tudo o que é ruim. Achei justo. Comecei a admirar essa religião que te dá o direito de negar a sorte quando ela não é boa. E por via das dúvidas, voltei ao incensário e puxei mais um pouco de fumaça na minha direção.

O Japão é assim, cheio de rituais, de pequenos detalhes e grandes diferenças que são a melhor parte da viagem. Com horas de fuso horário na cabeça, você é obrigado a olhar por outro ângulo as coisas mais básicas como comer, tomar banho ou ir ao banheiro.

Sim, ir ao banheiro. O vaso sanitário japonês tradicional, que você encontra em grande parte dos banheiros públicos, fica no chão. Você fica de frente para a parede e agacha. Em se tratando de banheiros públicos, onde eu não iria sentar de qualquer maneira, acaba sendo mais higiênico. É mais fácil de se equilibrar do que nos nossos, onde temos que ficar paradas no meio termo, nem em pé, nem sentadas. Mas se os vasos sanitários tradicionais assustam, eu fiquei encantada com os modernos, que você encontra na maioria dos hotéis e lojas de departamentos. Você entra no banheiro e a tampa levanta sozinha. Você senta e o assento está quentinho. Você olha para o lado e vê um controle com mais botões do que as máquinas de lavar de última geração. E assim é o Japão, um lugar capaz de fazer você escrever um parágrafo (o maior até agora) só sobre as privadas.

E tem a história dos sapatos. Eu respeito um povo que tira os sapatos sempre que pode. E eles tiram mesmo, na maioria dos restaurantes, nos templos e até em alguns museus. Reparei que mesmo em lugares como consultórios de dentistas estão cheios de sapatos na entrada, à espera de seus donos. Nos ryokans (hotéis tradicionais), tem um pequeno degrau logo que se entra. Seus sapatos não podem nunca subir o degrau. Ali também fica um par de chinelos que podem ir até o seu quarto, mas não podem entrar nele. E este não é a único chinelo que vai aparecer no seu caminho. Dentro do banheiro, onde fica o vaso (lá vou eu falar disso de novo), tem um outro chinelo, que só deve ser usado ali dentro. Tudo para que os pezinhos que pisam no tatame do seu quarto não tenham pisado em nenhum lugar menos limpo. Como eu disse, todas as coisinhas daquele lado do mundo são uma enxurrada de informação.

Mas na minha opinião, a maior atracão do Japão foram os japoneses. E no melhor dos sentidos, porque nunca vi um povo tão gentil. Deve haver alguma competição interna para ver quem agradece mais. Eles não economizam “arigatôs gozaimas” nem com os turistas, nem entre si. Você também não fica parado tentando se encontrar no mapa sem que apareça alguém disposto a ajudar, mesmo com a (enorme) barreira da língua. Uma senhora correu dois quarteirões atrás de mim para devolver um caneta que eu deixei na mesa do café. Não era uma Mont Blanc, era uma Bic mesmo. Num restaurante, tentamos pedir os cogumelos que a mesa ao lado comia, mas já não havia mais. Os nosso gentis vizinhos tiveram a delicadeza de colocar um pouco no prato e nos oferecer para provar. Depois pegaram um outro pratinho e encheram de edamame (aquela soja que parece uma vagem) e também colocaram na nossa mesa. Quando a gente viu também estava falando "arigatôs gozaimas" a torto e à direita. Está certo que era uma das poucas coisas que éramos capazes de pronunciar. Mas a verdade é que os japoneses estão sempre te dando motivos para agradecer.

Não sei se pela postura das pessoas, pelas máscaras de gripe, pela limpeza das ruas, por nunca antes ter me sentido tão segura numa cidade grande. Fiquei com a sensação que ali as pessoas ainda dão valor a honra. E apesar de para nós, ocidentais, isso ter um quê de ingenuidade, fiquei com uma certa inveja. Ando tão desgostosa com a falta de noção do que é certo e errado no Brasil. E ali, tão longe de casa, tudo ficou mais claro. É isso que nos falta. Não só a noção de que quando fazemos algo de errado prejudicamos o todo. Mas simplesmente saber que o errado é errado, e por isso mesmo, uma vergonha para nós mesmos.

Esse conceito de honra está na história. No suicídio dos samurais, o harakiri. Na época em que, quando se cometia um crime, o governo punia também a família e os vizinhos do culpado. Vá lá... Não acho que seja certo. Mas com certeza tudo isto deixou uma boa herança.

Agora não me engano achando que os japoneses sejam tradicionais em tudo. Muitas estudantes usam as saias plissadas tão curtas que qualquer brasileira saídinha ficaria chocada. Nunca vi um povo tão moderno para se vestir quanto em Tóquio. E tenho certeza que existe muita gente muito louca fazendo coisas mais loucas ainda por lá. (Apesar de achar aquela meninada fantasiada na ponte de Harajuko tentando parecer o Marylin Manson bem menos radical do que eles imaginam que sejam.)

Mas independente dessa filosofia de botequim toda, é muito divertido simplesmente ver os japoneses. Pode-se passar horas no Starbucks em frente à estação de Shibuya, com uma visão privilegiada do maior cruzamento (de pessoas) do mundo. Rir de como eles dormem assim que sentam no metro e acordam exatamente na hora de sair da estação, como se nunca tivessem piscado. Brincar com o idioma que até a mente menos suja consegue fazer piadinhas bobas.

Voltei pra casa com a certeza que o melhor do Japão são os detalhes. E os detalhes mais encantadores estão nas pessoas de lá.