Hoje eu acordei com vontade de escrever

Monday, October 02, 2006

Manhãs

Seu ombro é meu travesseiro, seu calor é meu cobertor e o lençol um escudo de força que nos protege de toda a maldade do mundo. O relógio grita para eu sair dali, mas a preguiça é minha amiga e não deixa. Só mais um pouco, ela sussurra nos meus ouvidos. Só mais um pouco, eu repito para você. Te prendo com as minhas pernas e você se rende, com a mesma facilidade que a minha alma se rendeu à sua há alguns anos atrás. Seus dedos se cruzam com os meus e se encaixam tão perfeitamente que ouço um ‘click’. Não queremos sexo, não queremos nada. Só nos largamos ali, num estado de semi-consicência e plena felicidade. O perfume não é meu, nem seu. É nosso. (Quem me dera poder engarrafá-lo.) O que nos espera fora deste quase quadrado macio são chatices e obrigações, asperezas e notícias tristes, problemas, poluição, burocracia, comida aquecida no microondas, gente mesquinha, trabalhos urgentes sem importância, pessoas que não nos querem tão bem. O relógio grita de novo. Calo a boca dele apertando um botão. Que pena que nem todas as bocas se calam com tão pouco. A preguiça e a responsabilidade começam a discutir na minha cabeça. Sei que você escuta porque se vira para me abraçar com força e encerrar a discussão. Só mais um pouquinho, você diz. Eu, a preguiça e até a responsabilidade obedecemos sem esforço. Não preciso abrir meus olhos para te ver ali, dançando a mesma dança de todas as manhãs. Seguro a minha respiração para sentir o bafo da sua no meu pescoço. Um sopro de ar quente com força suficiente para levantar meus pequenos pelos. Quem inventou os compromissos não tinha uma cama barata da IKEA, muito menos alguém que transformasse este monte de compensado vagabundo, molas, látex natural e tecido anti-alérgico no melhor lugar do mundo. Começo a reunir forças para o inevitável. Ainda não vai ser hoje que vou decidir me alimentar de amor e parar de pagar o aluguel até alguém vir nos despejar de toda essa paz. Hoje é só mais um dia em que vou chegar atrasada sem entender, mas entendendo, porque não levantei mais cedo. E se já vou começar o dia correndo atrás do tempo e enfiando tudo que tenho para fazer nas horas que sobram, falo sem remorso e bem baixinho: não levanta, vamos ficar só mais um pouquinho.